O Drácula criado por Bram Stoker no final do século XIX atravessa o tempo e chega aos dias atuais com diversas adaptações. O vampiro que se tornou um arquétipo da cultura é um ser vivo condenado à vida eterna, responsável por situações assustadoras. Mas o escritor Fauno Mendonça transforma este famoso personagem do terror gótico em um ser vivo capaz de se conectar com os medos, contradições e as sombras existentes em todas as pessoas.
Se antes o conde da Transilvânia já atraía um grande público por causa de seus atos dúbios, o autor brasileiro adiciona uma nova camada complexa para ele no livro D. e o Procurador, que narra a história do Drácula antes de conhecer Jonathan Harker. “O amor é a força propulsora da vida. Não podemos esquecer de que por amor as pessoas fazem loucuras, e o Conde Drácula também é capaz de se submeter às intempéries mais tempestuosas por uma paixão”, explica Fauno.
Na entrevista abaixo, o autor atravessa as motivações que o levaram a publicar uma história sobre o vampiro mais famoso do mundo, como também aborda os conceitos de vampirismo e a era vitoriana da Europa onde todos os eventos do livro acontecem. Leia:
1 – Fauno, em “D. e o Procurador”, você retrata uma faceta inédita de Drácula, com uma perspectiva do lado humano do personagem como um homem comum que busca felicidade, amor e paz. Quais foram as suas motivações para escrever sobre os sentimentos do conde?
Fauno Mendonça: O amor é a força propulsora da vida. Tudo gira em torno desse sentimento, e o Drácula não se afastou desse âmbito, dessa energia imortal. Apesar de ele ter perdido o frescor da vida e ter se tornado um ser amaldiçoado, não perdeu a ânsia de continuar amando. Não podemos esquecer de que por amor as pessoas fazem loucuras, e o Conde Drácula também é capaz de se submeter às intempéries mais tempestuosas por uma paixão. Ademais, ele buscava felicidade e paz para alcançar o zênite da vida, mesmo na esfera da morte. Tudo isso trouxe muita motivação para a narrativa da obra.
2 – Você traz para o enredo muito da cultura Vitoriana e dos conflitos políticos, sociais e econômicos que aconteceram na Europa no final do século XIX. Como foi representar esse contexto complexo de forma acessível para os leitores? Você enfrentou desafios durante o processo de pesquisa e criação da trama? Se sim, quais?
F.M.: Sim, houve desafios, porquanto todo esse contexto envolve crises de grande complexidade histórica. Trazer tudo isso para um livro de ficção exigiu uma pesquisa intensa. Contudo, sempre ressalto que a obra é uma mera ficção, portanto, não necessariamente as informações são fidedignas. Além de que há temas sensíveis que foram abordados, os quais o leitor deve ter senso crítico para fazer sua própria análise e pesquisa. Porém, penso que a leitura é muito acessível aos leitores, basta deixar a imaginação fluir.
3 – Fauno, você também destaca as culturas locais que atravessam da Irlanda à Romênia. Por que decidiu dar enfoque à diversidade de origens e experiências culturais na trama?
F.M.: A Transilvânia, região situada no centro da Romênia, tem uma história muito rica. No decorrer de sua história, houve várias incursões de outros povos naquela região. Isso também vale para as demais regiões do leste Europeu. Assim, entendi que contar um pouco do desenvolvimento histórico desses povos seria algo que iria enriquecer a obra.
4 – No livro “D. e o Procurador”, é o leitor que decide quem é o personagem principal – o conde Drácula ou o procurador Connor Burke. O que te levou a oferecer essa abertura ao leitor? Fale mais sobre os papéis e o peso que esses personagens têm um para o outro.
F.M.: Os personagens principais têm seus pesos bem distribuídos na narrativa da obra. Eles são de lugares distintos, têm personalidades próprias e criaram vínculos importantes entre si para cada qual atingir seus objetivos. Acho que eles convivem bem no decorrer da narrativa sem que haja uma emulação. Enfim, entendi ser interessante dar força a ambos. Assim, deixei para o leitor decidir quem é o personagem mais relevante e para quem irá pender.
5 – Na ficção, você reflete sobre as origens de personagens que não haviam sido explorados por Bram Stoker e narra fatos anteriores aos percalços vivenciados por Drácula. Conte mais sobre a decisão de explorar uma realidade paralela à obra original e como você usa isso para trazer à tona dilemas atemporais e contradições inerentes do ser humano.
F.M.: Sim, procurei dar mais vida à estória do Drácula explicando suas origens com um pouco mais de detalhes, bem como apontei os motivos pelos quais o Conde tinha extremo interesse em seguir para a Inglaterra. Acho que essas informações dão mais lógica ao personagem para que ele possa ser compreendido por outros ângulos. Carreei ainda à obra temas de cunho introspectivo para dar robustez ao personagem e levar o leitor à reflexão. Em relação a outros personagens também fiz esse processo. Penso que quem ler a minha obra terá mais prazer ainda ao ler a obra de “Drácula” de Bram Stoker, estará mais lúcido acerca de muitos fatos lá narrados. Quem já leu a obra do Bram Stoker terá o prazer de compreender, na atmosfera gótica do livro, outros tantos fatos descritos pelo autor irlandês.
6 – Qual a importância do Drácula para a cultura e para a construção do conceito de vampirismo? Na sua opinião, por que até hoje a obra de Bram Stoker reverbera em conteúdos atuais?
F.M.: Vampirismo é algo a ser explorado por muitos prismas, sobretudo, na psicologia, em face de relações de dependência. Drácula encarna esse viés ao impor dependência àqueles que são atacados ou influenciados por ele. A obra de Bram Stoker reverbera até os dias atuais, pois o autor criou um personagem que personifica um mito que reflete um caos de perspectivas obscuras que rondam as pessoas. O mito “Drácula” representa um desejo enlouquecido de dominação e de dependência; representa, em seu ápice, o lado ensandecido de uma paixão avassaladora.
7 – Você planeja explorar mais o universo que criou em “D. e o Procurador” em futuras obras ou projetos? Quais seus próximos passos na literatura?
F.M.: Acho que esse universo poderá ser explorado de alguma forma, porquanto o tema é muito rico e com infinitas possibilidades. Mas, por enquanto, não penso sobre o tema.
Meus próximos passos estão vinculados a uma obra de teor técnico no plano da ficção. Falarei sobre Direito, mas explorando outros aspectos para ilustrar melhor seu lado turvo e complexo. Contudo, ainda preciso amadurecer esse projeto.
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Sobre o autor: Fauno Mendonça nasceu em Goiânia, em 1968, e formou-se em Direito na década de 1990. Trabalhou por anos como advogado e atualmente atua no Poder Judiciário, em Brasília. Como escritor, publicou cinco livros: “A Busca dos Loucos”, “Ao Norte do Silêncio”, “Encontre-se”, “Bragof” e D. e o Procurador. A publicação “Encontre-se” também está disponível no formato de audiolivro.