A ficção e a realidade andam lado a lado em Inspetor Sopa e o crime do mosteiro, segundo volume da série policial escrita por Andréa Gaspar. O protagonista, um detetive “flanêur” que dá nome ao livro, caminha por ruas e bares do Rio Janeiro enquanto investiga o assassinato de um monge dentro do Mosteiro de São Bento.
Em meio às vielas, a investigação do crime se mistura à história da capital fluminense. A narrativa apresenta fatos históricos e curiosidades sobre o local, como a criação de edifícios arquitetônicos, a cena da MPB e a formação das favelas cariocas. Para a escritora, a ambientação faz toda a diferença no desenrolar das tramas policiais, nas quais a cidade assume um papel de personagem coadjuvante.
Detetives clássicos da literatura também fazem os leitores passearem pelo cenário, como Hercule Poirot, Sherlock Holmes e Comissário Maigret – nomes que são grandes inspirações para a criação do estilo investigativo do Inspetor Sopa. Nesta entrevista, Andrea Gaspar conta sobre a importância de colocar o Rio de Janeiro no centro do enredo, destacando lugares e culturas que passam despercebidas no dia a dia. Leia na íntegra:
1 – Além de professora de português para estrangeiros, advogada criminalista, atriz, poeta e romancista, você também é detetive particular. O que fez você se interessar pelo universo do crime? E como a sua formação criminal impacta na construção das narrativas?
Andréa Gaspar: Parecem coisas desconectadas, mas a verdade é que sempre fui uma pessoa com um perfil multifacetado e muito curiosa. Sei que tem gente que escolhe uma profissão desde criança e não muda nunca, mas eu nunca fui assim. Sempre tive interesses diversos e me arrisquei em tudo. Mas existe um ponto em comum entre todas essas profissões que é justamente a escrita e a literatura. Sou aficionada pela literatura policial desde criança porque entendo que, por meio da literatura policial, podemos discutir todos os aspectos centrais da existência humana.
Fiz o curso de detetive no processo de criação do meu detetive. Eu queria entender melhor o universo do detetive particular no Brasil para então decidir se o meu detetive seria particular ou um quadro das forças policiais e acabei decidindo pela segunda opção porque, de fato, no Brasil o detetive particular é mais procurado para resolver casos de adultério, de espionagem industrial e casos de desaparecimento. Os crimes de morte propriamente ditos ficam por conta das forças policiais oficialmente constituídas.
2 – Um dos pontos altos de Inspetor Sopa E Crime Do Mosteiro é a ambientação histórica e cultural no Rio de Janeiro, passando por igrejas barrocas e pelo Morro da Providência, considerada a primeira favela carioca. Na sua visão, qual a importância de conectar os leitores com esse cenário?
A.G.: Eu entendo que a cidade é um personagem coadjuvante nos romances policiais. O inspetor (ou o detetive), conforme investiga os crimes, percorre os caminhos da cidade. Os detetives clássicos como Poirot, Sherlock Holmes, Comissário Maigret, Vish Puri (da literatura indiana), todos são detetives que contam sobre o cenário em que o crime aconteceu. E fazem o leitor passear pelas ruas e vielas com eles. O Sopa é esse inspetor flâneur que caminha pelas ruas do Rio. É assim que atraio o leitor para encantos do Rio, uma cidade que respira história e que tem muita história para contar, desde o surgimento da primeira favela do Brasil até os palácios que a Monarquia e República usaram como sede, passando pelas igrejas onde se encontram os restos mortais de Pedro Álvares Cabral e onde foi realizado o casamento de D. Pedro I e a Imperatriz Leopoldina. É tudo muito interessante e, infelizmente, subvalorizado. Eu tento lançar uma luz sobre esses cenários incríveis.
3 – O detetive Sopa vaga sem rumo pelas ruas em busca de lazer, observando e passeando. Além de referências clássicas estrangeiras que você citou, como Sherlock Holmes, quais personagens da literatura brasileira inspiraram a criação do personagem?
A.G.: As minhas referências datam mesmo do início do século: João do Rio, Machado de Assis, Lima Barreto e, mais recentemente, Nelson Rodrigues e Ruy Castro. Embora não sejam autores policiais, todos perambulavam (ou no caso do Ruy Castro, perambula) pelas ruas do Rio. Como referência policial, eu tenho o comissário Maigret que é um personagem do Georges Simenon (autor belga que ambientou o seu detetive na França). O Maigret perambula pelas ruas de Paris, parando nos bares, restaurantes e botecos parisienses e serve de inspiração para o Sopa.
4 – Você diz que Machado de Assis, Lima Barreto e Nelson Rodrigues são algumas das suas inspirações literárias. Hoje, quem você enxerga como referências na literatura brasileira de romance policial?
A.G.: Eu acho que existe uma lacuna a ser preenchida. Temos o grande Luiz Garcia Rosa na linha do detetive clássico e o Raphael Montes na linha dos romances policiais de aventura, que é o termo que uso para diferenciar o detetive clássico do romance policial. O detetive do Luiz Garcia Rosa, o Espinoza, concentrou sua área de atuação em Copacabana, Bairro Peixoto e adjacências, embora tenha explorado também o centro do Rio. E o Raphael Montes vai por uma linha policial mais hardcore. Mas, de fato, na linha policial de entretenimento que é o caso da série do Sopa, acho que não conheço atualmente nada no mesmo gênero. Evidentemente, hoje em dia é impossível ter essa informação com certeza porque tem muita publicação nova todos os dias e não temos tempo de acompanhar tudo.
5 – A saga policial terá um terceiro volume, com lançamento em breve: Inspetor Sopa e o caso do desaparecimento. O que os leitores podem esperar para o futuro da série? Você pretende continuar escrevendo mais histórias sobre o detetive?
A.G.: No próximo livro, a história vai se passar em São Paulo. É uma oportunidade que dei para o “assistente” do Sopa, o Trombeta, ganhar o protagonismo. Eu gosto muito desse personagem e achei que ele merecia um livro em que ele assumisse a investigação. Então, nesse terceiro volume vou explorar o centro histórico de São Paulo. Para o quarto volume da série, eu volto para o Rio para explorar o universo do samba e dos bailes de gafieira do Rio.
Eu não tenho intenção de parar. Acho que é um projeto de vida. Então, enquanto houver vida, haverá Sopa. É só chegar com o seu pratinho e se servir.
—
Sobre a autora: Andréa Gaspar é escritora, roteirista, dramaturga, produtora, diretora, atriz e professora de português para estrangeiros. Bacharel em Letras e em Direito, com especialização na Formação de Escritores, publicou seis livros, entre eles “Passante poeta” (2018), “Despedaços” (2015) e “Licor de Pequi” (2014). Em 2019, lançou o primeiro romance policial “Inspetor Sopa e o último copo”, que se tornou uma saga com os livros “Inspetor Sopa e o crime do mosteiro” e “Inspetor Sopa e o caso do desaparecimento”, com publicação prevista para 2024. Com a série literária, recebeu o prêmio durante o VIII Talentos Helvéticos-Brasileiros, promovido pela editora suíça-brasileira Helvetia.
Redes sociais da autora: Instagram
Clique aqui para saber mais sobra a obra “Inspetor Sopa E Crime Do Mosteiro”