A história de Maria de Lourdes pode ser a de muitas outras brasileiras: nascida no interior do Mato Grosso, em uma família pobre, aceitou um casamento arranjado aos 16 anos por falta de opções. Após anos de infidelidade, conseguiu se separar do marido, mas ainda precisou enfrentar o preconceito e a desigualdade para construir uma vida digna.
A jornada de Dona Lourdes é narrada no livro Nas Asas da Coragem, escrito por sua filha, Ana Bisneto de Moura. Ao longo de seis capítulos, a autora traz não apenas as vivências de sua mãe, mas também informações fundamentais sobre o contexto social e econômico em que estava inserida.
Em entrevista, Ana Bisneto de Moura conta sobre os desafios da pesquisa para o livro, mostra como a literatura é uma forma de encorajar mulheres a saírem de contextos violentos e reforça a importância de se conhecer a história da própria família. Confira abaixo:
1 – Maria de Lourdes, a protagonista de “Nas Asas da Coragem” não é apenas uma pessoa real, mas também sua mãe. Quais os desafios de contar a história de uma pessoa tão próxima?
Ana Bisneto de Moura: Um dos maiores desafios foi encontrar as informações de sua trajetória de vida, desde a infância, para compreender melhor de onde vinha toda sua coragem, determinação, fé e resiliência. Para isso, fui em busca de informações com meus irmãos, irmãs e minha tia, que moram em outro estado e que contribuíram muito. Descobri muitos fatos que não tinha conhecimento e que me tocaram bastante, por exemplo, seu casamento arranjado e os vários desafios que enfrentou para criar os filhos. Chorei muito ao escrever o livro e tive que interromper a escrita por alguns momentos, pois relembrar os momentos alegres e tristes de sua trajetória me trouxe sentimentos de dor e saudades.
2 – “Nas Asas da Coragem” apresenta muitas informações e dados sobre questões ligadas à saúde pública e aos costumes do século passado. Qual a importância do processo de pesquisa desses dados para o seu livro?
A.B.M.: É demonstrar a dificuldade que minha mãe e nossa família enfrentaram na época por falta de acesso à saúde pública e que causou perdas de filhos queridos. A maioria dos partos foram feitos por parteiras, sem nenhum acompanhamento médico. Além disso, quis mostrar que, apesar das dificuldades que enfrentamos no passado, conseguimos superar e vencer. Com relação à saúde, hoje temos um dos melhores programas de saúde pública, o SUS, mas que carece de mais atenção, orçamento e infraestrutura para atender a demanda a cada dia mais crescente. A pobreza foi amenizada, mas não erradicada. Porém, não podemos ficar dependente das políticas públicas, é preciso buscar alternativas por melhores condições de vida.
3 – A trajetória de Maria de Lourdes é marcada por muitos desafios e violências que acometem as mulheres mesmo nos dias de hoje. Como acha que seu livro pode auxiliar quem esteja passando pelos mesmos problemas?
A.B.M.: No primeiro semestre de 2024, foram notificadas mais de 2 mil mortes violentas de mulheres com indícios de feminicídio, de acordo com o Monitor de Feminicídios no Brasil. A Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, é um marco importante no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. Mesmo assim, são assustadores os casos de violência doméstica que ocorrem diariamente, ocasionando o assassinato de uma mulher a cada 6 horas. Minha mãe, na época, não tinha a quem recorrer, mas com coragem, fé e amor aos filhos, conseguiu dar um basta ao relacionamento abusivo que a oprimia. O livro contribui no sentido de inspirar mulheres a buscar a fé e coragem para enfrentar os desafios, contando também com os apoios que existem atualmente. “A coragem não é ausência do medo, mas sim a decisão de que algo é mais importante que o medo”.
4 – A obra também é um convite para os filhos se reconectarem com as histórias de seus pais e terem mais compaixão com os familiares. Conhecer sobre o passado dos pais pode ser uma ferramenta de reconexão e estreitamento de laços? Como?
A.B.M.: Infelizmente, existem filhos que não reconhecem o valor de seus pais. Conhecer o passado, principalmente da mãe, buscando pesquisar sobre sua vida diretamente com ela e com parentes, com certeza contribui para compreender suas dores, seus desafios e porque agem com os filhos dessa forma. Isso facilita o perdão, a compaixão e o restabelecimento de um relacionamento harmonioso, com respeito e gratidão. Se os pais dão pouco amor é porque foram vítimas de pouco amor em suas infâncias. O perdão é o primeiro passo para se livrar das amarras do passado. A vida é passageira, então aproveite a oportunidade para fortalecer os laços familiares enquanto tem essa chance.
5 – Ao longo do livro, você convida o leitor a fazer diversas reflexões sobre sua vida e relações pessoais. Na sua opinião, de que maneiras a literatura pode trazer ensinamentos e auxiliar na conquista de objetivos?
A.B.M.: Durante a nossa infância, e ao longo da nossa vida, são construídas crenças, muitas vezes limitantes, ao ouvir, ver e sentir, de forma impactante ou por repetições, palavras negativas ou atos violentos por parte de nossos pais, e também na escola e na sociedade. Isso cria bloqueios e dificuldades no relacionamento familiar. As reflexões sugeridas no livro, intituladas “Praticar o amor é simples”, contribui para ressignificar tudo que foi negativo na sua vida e reprogramar as crenças limitantes para crenças fortalecedoras, para deixar de ser vítima e ser autorresponsável, e consequentemente, melhorar e fortalecer o relacionamento entre filhos e pais, além de abrir os caminhos de prosperidade nas diversas áreas da vida.
—
Sobre a autora: Nascida em Arenápolis, no interior do Mato Grosso, Ana Bisneto de Moura é formada em Administração pela Universidade Católica Dom Bosco. Mora em Brasília, atua como assessora sindical, formada em Coaching pela Febracis. Publicou o primeiro livro Nas Asas da Coragem: Histórias de Desafios e Superações.