Descobrir e aceitar a própria sexualidade é algo ainda extremamente complexo e um percurso de autoconhecimento muito individual. Venho de uma cidade do Sul da Itália e, mesmo tão longe do Brasil, em muitas coisas é parecido com o interior brasileiro.
Na época que eu estudava, não tinha nenhuma pessoa gay na minha escola ou na minha família, muito menos bissexual ou lésbica. Se existiam naquela época, ficavam escondidos. Deste modo, simplesmente não existiam referências. Lembro que as pessoas falavam que aquele “tipo de coisa” era um problema, uma doença, um “que pena por aquela pessoa ser assim”.
Não me recordo também de nenhuma referência feminina na televisão ou no mundo da música. Era um completo absurdo e tão fora do normal que lembro de um cantor-cômico italiano – hétero – cantar uma música que falava em tom irônico “os homossexuais são seres normais como nós” e todo mundo rir.
Em um contexto assim, o qual também existe a Igreja, que define o ritmo da vida adulta e faz com que o único percurso possível seja o casamento heterossexual e a formação de uma família, você nem cogita se questionar sobre a sua sexualidade, porque não ser hétero não é uma opção. O meu primeiro contato com a comunidade LGBTQIAPN+ surgiu em forma de amizade quando eu tinha 24 anos e morava em Milão (cidade considerada a mais evoluída e aberta da Itália).
Dançar nas boates gays passou a ser o plano mais divertido da semana: adorava aquela liberdade, o sentimento de leveza, amava me sentir assim. Já a minha primeira experiência com uma mulher aconteceu somente anos depois. Foi como um furacão inesperado: era minha amiga mais próxima e simplesmente me olhou profundamente nos olhos e falou: “você acha que eu quero beijar ele, mas é você que quero beijar”.
Naquele instante, a minha primeira reação foi fugir, porque desde aquele primeiro beijo uma guerra de contradições invadiu cada centímetro do meu corpo. Essas dúvidas fazem parte do sentimento de descoberta. Afinal, não existe um manual para se entender. Todos os sinais da sua mente lutam entre si e tudo é mais difícil quando você não tem referências.
Entre o primeiro e o segundo beijo eu senti a dicotomia de morrer de vontade e repulsão extrema. Foi em uma noite descontraída que, consegui deixar de lado as inibições e me permiti explorar a intimidade com uma mulher pela primeira vez.
A emancipação, antes de qualquer outra coisa, é sobre se “permitir”. O consentimento de sentir qual o efeito de tocar os lábios de uma pessoa do mesmo sexo que o seu, a sensação de pensar nela, nos sentimentos que envolvem o toque e todo o resto. Enfim, permitir-se ser livre.
Talvez esse tenha sido meu “erro”. Demorei muito para me permitir. Esses processos de libertação são longos, levam tempo e cada um reage de uma forma, não tem uma idade certa para isso. Infelizmente, enquanto se descobre, você acaba machucando alguém.
O que acontece depois da primeira vez? Quando você é bi ou gay, existe um processo de libertação e autoconhecimento que nem você sabe direto aonde vai te levar.
No início, ficava completamente confusa. “Será que é ela? Ou eu quem sou assim?” Talvez essa seja a pergunta que todo mundo se faz depois de começar a gostar de alguém do mesmo sexo, independentemente da idade que isso acontece. Contudo, esse aprendizado não vem sem dor, porque, infelizmente, nosso mundo é construído a partir de um modelo de heteronormatividade.
É frequente que aqueles que estão explorando sua sexualidade se deparem com uma fase subsequente de autonegação. Isso pode levar a um desejo ampliado de relacionamentos com indivíduos do sexo oposto, em uma tentativa de afirmar para si e para o mundo que sua atração heterossexual permanece inalterada. Beijar alguém do mesmo sexo é, muitas vezes, reduzido a um evento momentâneo, uma única experiência passageira. Mas, nos esbarramos com outro dilema: quanto tempo pode demorar esta fase de negação?
O fato é que não existe uma resposta pronta quando se trata da complexidade de descobrir a própria sexualidade. Por isso, nesta etapa, a cultura entra como aliada no processo de autoconhecimento e possui um papel chave: fornecer referências, ajudar a compreender esse momento de confusão e educar o mundo que a diversidade é natural. Ao optarmos por ignorar nosso próprio instinto e não nos aceitarmos, acabamos por sabotar a nossa própria felicidade. A vida é muito curta para limitar-se apenas em fugir da própria essência.
*Miriam Squeo é graduada em Administração de Empresas pela Bocconi University e desempenhou vários cargos de liderança na área de Marketing. É autora do romance Por trás dos meus cabelos