O alquimista de bastos é uma fantasia histórica que leva o leitor ao final século XVIII, quando a alquimia transitava entre o tabu e a ciência. Ambientado na França, em meio ao avanço do paganismo, o livro acompanha Damian Willard, um jornalista britânico que se infiltra em uma universidade parisiense para investigar desaparecimentos misteriosos. Ao cruzar seu caminho com o alquimista imortal Simon Durant, ele se vê diante de um labirinto entre o cético e o místico, o humano e o divino.
A seguir, o autor Gabriel Ract comenta como foi o processo criativo, suas influências e as questões morais que perpassam a obra.
1 – Em seu romance, a ideia de transmutar metais se expande para a transmutação da alma. Por que esse aspecto humano da alquimia era tão importante na construção do enredo?
Gabriel Ract: Quando pensei em utilizar a alquimia como pano de fundo para esse novo universo, eu tinha em mente que gostaria de fazer algo que fugisse das abordagens convencionais.
Na narrativa, a alma é apresentada como uma energia capaz de ser manipulada por alquimistas que conhecem suas propriedades. Tal energia é utilizada inconscientemente para a realização de tarefas essenciais à manutenção do corpo humano, além de servir como importante ponto de conexão com o mundo espiritual. Na obra, a “transmutação interior”, citada na questão, está muito mais relacionada com a capacidade de outrem de manipular a alma alheia, gerando resultados variáveis.
2 – A trama se passa em um período em que ciência e misticismo ainda caminhavam lado a lado. Você vê paralelos com a nossa realidade atual, marcada por avanços tecnológicos e crises sociais e políticas?
G.R.: Certamente. Vivemos um período de rápida progressão tecnológica concomitante à falência política e econômica em nível global, fatores que justificam uma busca por sentido que, não raro, ultrapassa os limites que a religiosidade deveria ter. Isso tem especial relação com o cenário político polarizado que atualmente vemos em tantos países, inclusive no Brasil.
3 – Simon Durant é uma figura bastante enigmática. Como foi dar vida a um personagem tão simbólico e ao mesmo tempo tão humano?
G.R.: O livro foi criado com base no personagem de Simon. Desde o início, foi ele quem deu o tom à narrativa e quem guiou a história para seu agridoce final. Por conta disso, eu tive muita liberdade em criar esse personagem tão complexo. Certamente uma experiência incrível.
4 – Damian começa como um jornalista cético, mas termina atravessando uma jornada espiritual intensa. Há algo seu nesse conflito entre racionalidade e fé?
G.R.: Eu vou ser bem sincero: ainda não consigo escrever protagonistas que não carreguem algo de mim. Damian não fugiu disso, pelo contrário. Para mim, esse conflito entre fé e racionalidade é central e antigo, e já motivou muitas ações inconsequentes e inúmeras discussões com pessoas que amo. Diferente do protagonista, porém, não evolui espiritualmente por meio de uma experiência de autoconhecimento traumática – ainda bem.
5 – O livro dialoga com temas como culpa, poder e redenção. O que você espera que o leitor leve consigo após acompanhar a jornada de Damian e Simon e suas relações com outros personagens?
G.R.: Eu acredito que a compreensão de si mesmo exige um equilíbrio entre os pensamentos e suas relações. No fim, a essência do livro é: até onde você iria para saciar desejos que a você soam intrusivos?
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Sobre o autor: Gabriel Vieira Ract Ramos é médico reumatologista formado pela Universidade Cidade de São Paulo, com residência em Clínica Médica pelo Hospital Santa Marcelina e especialização em Reumatologia pelo Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Iniciou sua trajetória literária aos 15 anos e, desde então, vem explorando o universo da fantasia sob uma perspectiva filosófica e simbólica. Também é autor de “TIAC: A Torre de Babel” e “David Goffman e a Travessia Infernal”.





