Precisou uma amiga, quase trinta anos à frente de mim, me revelar sua batalha atual, para que eu relembrasse o valor da conexão. No meio da sua explanação, ela falava sobre quão raro é conectar-se com o outro, que requer envolvimento de no mínimo dois universos.
Enquanto concordava com minha amiga, pensava em como um sinal de conexão não é evidência dela: procriar não significa conectar-se à prole. Uma aliança no dedo não prova vínculo com o parceiro, ter companhia para a resenha do fim da semana não é ter amigos.
Voltando pra casa, ecoava em mim aquela troca. Lamentei por quem não encontra alguém para partilhar e pensei no quanto o sistema joga contra. Imagine, com o nosso tamanho, se realmente fôssemos conectados: poderíamos derrubar uma PEC nefasta, aprovar isenções e o que mais? Contudo, há quem prospere com nosso isolamento, e lhe vista uma fantasia de polarização. Ora, quem, afinal, em seu íntimo, é contra ter mais saúde? Mais educação, mais tempo na semana para estar entre os seus, para amar, para regenerar-se?
“Polarização” é um artifício conceitual. Um pacificador de adultos, como é o álcool, a dopamina barata e a meritocracia. Dos efeitos sombrios do isolamento, o que mais me aflige é o definhamento do amor, que gera medo da vida, pulsões de morte e, persistindo o suficiente, nos rouba o espírito.
Um contraponto é o reconhecimento. Não a glória, o reconhecimento do outro, ver o outro, o vínculo. Quem opta por conectar-se, reconhece o valor do laço. Laço que reinventa relações, que pede e concede perdão, propõe a ponte. Mesmo quando tudo o que se tem é a conexão consigo, a primeira possível. Há que se começar de algum lugar.
Não me iludo com utopias, nas quais todos estariam conectados, zelando uns pelos outros. Mas celebro as conexões que se apresentam a mim e me esforço para não destruí-las. Pessoas no leito de morte não lamentam o patrimônio a mais que não fizeram, o sucesso que não alcançaram, nem o respeito dos pares. Elas lamentam não ter tido tempo para familiares e amigos, não terem se autorizado a desacelerar, a gozar do tempo curto que lhes escapava.
Chega uma mensagem da minha amiga, agradecendo o encontro. Dizendo que as nossas conversas têm esse eco, que depois geram o que pensar, mudam perspectivas, hidratam a alma. Sei do que ela está falando, desejo isso também a você, que me lê.
*Jorge Verlindo é designer, escritor e autor do livro “Jogos Marcados no Corpo de Deus”





