Na ficção O patrulheiro literário, o escritor Vinícius Lima Costa une fatos históricos da literatura a personalidades como William Shakespeare, Arthur Conan Doyle, Agatha Christie e Edgar Allan Poe em uma dimensão alternativa. É para lá que viaja Arquimedes, um bibliotecário com jeito próprio de pensar e forma singular de ver o mundo.
A trama é construída a partir dos desafios que o protagonista enfrenta para se adaptar a este novo universo. Com a jornada de Arquimedes, o autor abre uma porta para a compreensão do autismo. “Não é fácil sentir-se pertencente a uma realidade que destoa da forma peculiar como a mente autista funciona. De fato, é como viver numa realidade paralela […] a ficção pode apontar caminhos para a inclusão” – pontua Vinícius.
Em entrevista, ele conta como a vivência com o transtorno e com os dois filhos dentro do espectro influenciaram a obra, além da paixão pela música, animes e HQs. Confira:
1 – Como foi o processo criativo que te levou a conceber uma realidade paralela, em que o protagonista Arquimedes se une a personagens como William Shakespeare, Agatha Christie e as Irmãs Brontë?
Vinícius Lima Costa: Tal processo criativo foi resultado de uma série de fatores, tais como a preferência por usar nomes de pessoas que de fato existiram tendo em vista minha dificuldade em criar nomes para personagens; a forma como minha mente processa informações a partir de histórias que já existem e fatos realmente ocorridos que, adicionados à minha realidade, se tornam histórias repletas de uma simbologia através da qual busco passar uma mensagem simultaneamente bem humorada e de vivência que possa ser útil.
2 – De que forma você busca transmitir empatia, compreensão e sensibilidade em relação ao autismo por meio da jornada do herói Arquimedes?
L. C.: Através do humor, inclusive aquele decorrente dos apuros por mim vividos, por meio da observação de como ao longo da vida superei desafios e decepções. Também através de lições aprendidas com meus filhos e outras pessoas que muito me influenciaram pelo seu exemplo de vida. Até a sua própria dor pode ser matéria-prima para fazer os outros sorrirem. Charles Chaplin mostrou muito bem isso.
3 – Você na experiência de ser pai de filhos autistas, acha que o capacitismo permeia a vida de pessoas autistas na sociedade atual? Avalia que a ficção pode ser um caminho para mudar essa realidade?
L. C.: Com certeza. Não é fácil sentir-se pertencente a uma realidade que destoa da forma peculiar como a mente autista funciona. De fato, é como viver numa realidade paralela que requer da gente contínuas adaptações e se faz necessário aprender os códigos que todo mundo à sua volta, à exceção de você mesmo, parece conhecer. A ficção pode ilustrar bem isso e apontar caminhos para a inclusão.
4 – Pode falar mais sobre a relação entre Arquimedes e a música? O que motivou a escolha de elementos musicais, como referências aos Beatles e outras bandas, como parte integrante da narrativa?
L. C.: É característica comum no autismo o hiperfoco em certos assuntos, interesses. No caso do Arquimedes, o hiperfoco é a música. Escolhi Beatles pois, além da riqueza de conteúdo em sua discografia, eu os escutava muito na minha infância e juventude. Indo mais a fundo, especificamente a música estritamente instrumental, me fazia ver imagens e atingir estados de inspiração que eram muito marcantes para mim. Daí a ideia para o misterioso dom de que Arquimedes se vale muitas vezes em suas missões.
5 – E sua paixão por animes e HQ’s? Acredita que ela tem influência na escrita?
L. C.: Desde muito cedo meu pai me proporcionava a experiência do contato com as revistas em quadrinhos. Isso com certeza foi um facilitador ao desenvolvimento de minha imaginação e de minha forma de expressão. Fazendo um paralelo com os jogos de encaixe, puzzles, no meu processo de criação tudo se encaixa naturalmente (animes, HQ’s, músicas e memórias de minha vivência). Lembra muito um processo sinestésico.
6 – Os “easter eggs” espalhados pela história revelam curiosidades da vida real, como a desavença entre Arthur Conan Doyle e Maurice Leblanc. Qual foi o maior desafio ao pesquisar esses fatos históricos?
L. C.: Encontrar literatura adequada, selecionar as informações para em seguida definir como utilizá-las. No tocante a isso, foi de grande ajuda um certo livro com linguagem de bom humor. Através dele fui criando um cenário no qual pude encaixar os escritores personagens de minha obra como se estes fossem personagens de um sitcom. Tirei-os do pedestal da história para colocá-los no meio de nós como um de nós.
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Sobre o autor: Vinícius Lima Costa é mineiro, formado em Direito pela PUC-MG e atua como procurador municipal na cidade de Contagem. Apesar da escolha profissional, Vinícius sempre amou ter contato com as artes, principalmente música e literatura. Cresceu ouvindo os discos de música clássica do pai e teve aulas de piano com a mãe; na escola, as aulas de redação sempre lhe deram liberdade de produzir textos bem-humorados.
Fã dos clássicos da literatura, ele estreia neste universo com a ficção O patrulheiro literário, e já prepara a publicação dos novos volumes da série. Além disso, é apaixonado por animes e tokusatsus, e leva personagens clássicos de HQ’s e seriados dos anos 1970 e 1980 para o universo cosplay.
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O patrulheiro literário