O poeta Maurício Rosa nunca teve a oportunidade de conhecer Armando, seu avô materno, a não ser por relatos fragmentados de outros parentes. O desejo de preencher essa lacuna foi a inspiração por trás do livro Na prova do trovão, publicado pela editora Laranja Original. Mais do que um retrato realista, a obra busca traçar uma genealogia baseada na poesia e na imaginação.
Ao começar com o nascimento e terminar com a morte do avô, um homem negro e de origem humilde, o livro reimagina momentos importante da vida dele, com foco nas relações afetivas e familiares. Em “Fascinação”, é traçado um paralelo entre a solidão e o abandono do parto de Armando, filho de mãe solteira e pobre moradora do Rio de Janeiro, e a visita oficial do rei da Bélgica na mesma cidade. Já “Menina do Mato (um amor)” e “Carolina (outro amor)”, exploram os relacionamentos amorosos do avô, marcados por momentos de ternura e desejo, mas também por outros mais sombrios.
Porém, a maioria dos versos se dedica ao casamento com a avó do autor e a vida familiar que constroem juntos, com altos e baixos. “A família” comenta sobre os noves filhos do casal e os possíveis mistérios de suas origens. A seção “Tangará” aborda a relação com os tios, padrinhos e vizinhos (esses últimos descritos como “fofoqueiras de terço na mão” e “beberrões cheios de lábia”, que, apesar de não compartilharem do laço sanguíneo, são uma extensão da família). “O Retrato”, último poema do livro, é uma reflexão sobre a figura do avô, “herói comum de pouca odisseia”, e a própria inventividade da obra.
o pai
(antes de ser meu avô)
na barba volumosa
levava as chaves da casa:
o fumo crioulo
o milho das galinhas
por debaixo da barba
escondia a boca de beijar sua nêga
as palavras de ira
o amarelo dos dentes
em torno da barba
carregava seu rosto
as minhas feições
e essa história
Na proa do trovão, p. 41
Sem romantizar a jornada de Armando, Maurício Rosa relata uma biografia relacionável que não costuma entrar em documentos históricos. O perfil pode não trazer todas as informações sobre a vida de Armando, mas não deixa de ser reconhecível e próximo a quem lê. Consciente da sua limitação de fatos concretos, o autor recorre à linguagem e aos mecanismos poéticos para esboçar o retrato do avô.
A obra ainda conta com uma apresentação e um prefácio escritos respectivamente por Lilia Guerra, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura com o livro O céu para bastardos, e Lilian Sais, semifinalista do Prêmio Oceanos 24 com O livro do figo. Sensível e terno, Na proa do trovão é um exercício de construção literária que demonstra a capacidade das palavras e do afeto de refazerem caminhos que não puderam ser testemunhados.
FICHA TÉCNICA
Título: Na proa do trovão
Autor: Maurício Rosa
Editora: Laranja Original
ISBN: 978-85-92875-89-3
Formato: Livro físico
Páginas: 80
Preço: R$ 60,00
Onde comprar: Laranja Original
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Sobre o autor: Maurício Rosa vive em São Paulo. Aos 17 anos, ganhou um prêmio de literatura em sua cidade, e isso o impulsionou a pensar a escrita como uma possibilidade de carreira. Desde então, participou de diversas oficinas com escritores renomados como Marcelino Freire, Bruna Mitrano, Luiza Romão, entre outros. Tem textos publicados nas antologias Contos e causos do Pinheirão, organizada por Nelson de Oliveira, e Retratos pandêmicos, fruto do curso é Dia De Escrever. Atualmente, dedica-se inteiramente à poesia e escreveu textos para revistas especializadas como Ruído Manifesto, Leituras.Org, Revista Quiasmo, Littera 7, Revista Variações e Revista Sucuru. É autor dos livros Vamos orar pela vingança, O longo cochilo da ursa e Na proa do trovão, e finalista do Prêmio Caio Fernando Abreu 2024 com o livro ainda inédito Meu corpo é testemunha.
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