Ilustração: anexa aqui | Créditos
Abro o jornal de minha cidade e me deparo com a notícia: Ciclista morre após ser atropelado em rodovia. Uma situação triste, mas que se repetirá inúmeras vezes, e não podemos chamá-la de acidente. É absoluta falta de precauções.
Quando assumi o cargo de Secretário de Transportes do Governo Covas (julho/1997), ouvi de um coronel da Polícia Militar, poucos dias após minha posse, que nas estradas estaduais morriam em média 240 pessoas por mês. Duzentas e quarenta por mês! Isto equivale à queda de um Boeing todos os meses. Garanto que se envolvesse aeronaves, alguém faria alguma coisa.
Em suma, o que se fez foi lidar com o problema como se trata um acidente com avião. Criamos uma equipe capaz de analisar o local completamente. Um engenheiro verificava a condição da rodovia, enquanto um exame dos óbitos era realizado pela Polícia Militar e o registro das mortes, confirmado com o Cartório Civil – todas informações foram devidamente armazenadas para eventual consulta.
Cada um dos eventos passou a ser indicado num mapa detalhado do Estado. Logo começaram a aparecer “pontos críticos”, onde se repetiam os mesmos eventos. Aprendemos que a maioria dos óbitos eram de pedestres atropelados quando tentavam cruzar uma rodovia.
O contrato de concessões passou a ter uma cláusula que obrigava a concessionária a construir uma passarela quando o número de pedestres passava de determinado nível. Criamos o prêmio Rodovia Viva para ser entregue mensalmente ao Presidente da Concessionária com o melhor resultado do mês – a análise era feita pelo grupo no gabinete do Secretário, este sempre presente.
A mensagem bem recebida por todos era que o assunto – óbitos nas rodovias – era considerado importante pelo Governo.
Apesar do crescimento contínuo da frota de veículos, cinco anos depois, em 2002, a média de óbitos mensais havia caído continuamente para 180. Como digo no meu livro, “Apesar disso, rolou”, considero esse feito a maior contribuição que dei no exercício do cargo.
Temos hoje um enorme exército de novos prefeitos, eleitos ou reeleitos, e caso um deles se interesse em reduzir óbitos relacionados ao trânsito em seu município é só copiar e implantar. Garanto que a prática se espalhará para benefício de todos.
A colaboração da imprensa é fundamental para fiscalizar e cobrar, periodicamente, o número de vítimas fatais no trânsito, a fim de traçar um comparativo e deixar a população a par sobre práticas para redução desses casos.
O livro There Are No Acidentes, de Jessie Singer, indicado como um dos melhores do ano de 2022, não deixa por menos. Na obra, a autora explora como os chamados “acidentes” muitas vezes não são fruto do acaso, mas sim de falhas sistêmicas, negligências e desigualdades sociais.
Nesse sentido, é possível afirmar que essas tragédias podem ser prevenidas com políticas mais rigorosas, educação no trânsito e melhorias na infraestrutura. Acreditar em fatalismo é varrer o problema para debaixo do tapete.
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Michael Paul Zeitlin é engenheiro civil e professor aposentado, autor do livro “Apesar disso, rolou”.