Poeta, escritor e membro da Academia Serrana de Letras, Gustavo Malagigi acredita que a poesia é uma maneira de se contrapor às estruturas impostas pela sociedade. Por isso, no lançamento A Casa Cósmica, ele compila poemas que desafiam o senso comum e apresentam uma opinião inconformada sobre o mundo.
Para o autor, a literatura é, principalmente, uma ferramenta de oposição, críticas e protesto. É por meio de palavras que reage ao mundo e também incentiva os leitores a experienciarem um pouco deste tipo de narrativa poética que beira o insano. Para isso, faz uso de um eu-lírico excêntrico: o Poeta Vagabundo.
Sem medo de opinar sobre temáticas polêmicas, dentro da política, da religião e das relações humanas, o protagonista cria um universo próprio, onde as críticas são feitas despreocupadamente em tons de sarcasmo, acidez e revolta, mas também com boa dose de drama, afeto e delicadeza.
Em entrevista abaixo, Malagigi aprofunda sobre o tema e dá mais detalhes sobre o lançamento que fez sua estreia na literatura nacional.
1 – No lançamento “A Casa Cósmica”, você criou um ‘eu-lírico’ bastante excêntrico e polêmico. O que motivou você a escrever o livro na voz do personagem Poeta Vagabundo?
G.M.: Por vezes, costumo galhofar de que o Poeta Vagabundo não é um personagem, mas uma espécie de entidade que se utilizou do meu corpo e de algumas coisas que encontrou na minha mente para se manifestar neste mundo. Um dia, foi embora, deixando algumas coisas em mim e levando outras consigo – pelo que fico muito grato. O Poeta Vagabundo é a expressão de uma variada gama de sentimentos e observações; é ele que abre a alma e vocifera aquilo que eu talvez não tivesse ousadia para bradar; coisas boas e ruins, belas e feias.
2. Qual é a principal mensagem que o seu livro traz aos leitores? E de que forma você acha que os versos podem influenciar a vida deles?
G.M.: Toda boa obra transmite para o leitor a oportunidade de desbravar universos e possibilidades, maneiras inéditas de ver coisas da vida e mesmo confirmar entendimentos já existentes na sua concepção. Inspirada em grandes leituras, “A Casa Cósmica” se atreve a incentivar quem se depara com seu conteúdo, principalmente, a se desgarrar da manada e virar final e realmente um ser humano. Em suas páginas, o indivíduo vai ser seduzido pela delícia de ser senhor de si e servo apenas dele próprio, de ninguém mais. Os versos simples da obra, com sua linguagem absolutamente acessível, fazem com que o leitor os metabolize com empolgação pela sua essência.
3 – Na obra, você prova que poesia não precisa ser polida e somente abordar certos assuntos do cotidiano; ela pode ser ácida e sarcástica. Que tipos de críticas você traz nos seus escritos poéticos?
G.M.: No livro, o Poeta Vagabundo levanta críticas, em especial, à ideia – por ele considerada tosca e obsoleta – de que “o trabalho enobrece o homem”; “Deus ajuda a quem cedo madruga”; “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. É uma verdadeira ojeriza ao conceito da beleza de servir; da virtude em sacrificar seu lazer, seu ócio, sua alegria, sua vida, por fim, em prol de um comportamento submisso e manso que visa manter a estrutura de um sistema estratificado de forma piramidal.
4 – Seus poemas e crônicas variam rapidamente entre as páginas: enquanto um aborda temas mais leves e reflexivos, outros tocam em várias “feridas sociais”. Você acha que a literatura pode ser um agente de reflexão e mudança sobre a realidade que vivemos? De que forma?
G.M.: A literatura – assim como a arte em geral, a filosofia… – é uma das ferramentas mais eficientes de motivação da humanidade, para o bem e para o mal. Tendo ela muitas vezes como um auxílio, povos progrediram e outros foram extintos; sociedades evoluíram e tradições se mantiveram ou foram modificadas. E. no nosso tempo, isto se mantém: não obstante o costume de ler não fazer parte da nossa cultura cotidiana como brasileiros. É possível entender que grandes problemas sociais existem porque as massas não desenvolvem o hábito da leitura – muitas vezes por um projeto deliberado de um sistema canalha que almeja seu controle. Então, não há como se privar do clichê de que ler avança a mente de quem o faz, porque a informações encontradas nas páginas aprimoram o poder de senso crítico da pessoa.
5 – Gustavo, você também é músico e foi vocalista de uma banda de rock. Acha que a sua presença na literatura é uma forma de quebrar o estigma de que todos – independentemente do perfil ou gostos – podem se encontrar na literatura?
G.M.: Na verdade, eu não sou músico. Por dez anos, acreditei que era um cantor de rock e que aquele seria o meu destino. Mas a realidade é que eu sou apenas um entusiasta da música, um apaixonado por essa arte. O conjunto do qual fiz parte, a banda Tocata y Fuga, chegou a gravar um EP (que pode ser encontrado no YouTube), sob o título de “Delirium”, em que fizemos um hard rock inspirado nas bandas pesadas dos anos 1970, mas com toques atuais, cuja minha performance (em estúdio) pode ser considerada bastante boa. Mas a timidez e a falta de traquejo como frontman de rock pesado em apresentações (o que é indispensável para esse público) me fez dar conta de que aquela não era a minha praia, portanto, não executo mais músicas em público – no máximo “arranho” um violãozinho em casa, longe de plateias. Mas o rock e a literatura estão diretamente ligados. Quando conheci esse estilo musical, bem no começo da adolescência, entendi que, naquele pico de rebeldia intrínseco do gênero, ler era coisa de careta obediente aos costumes. Todavia, logo percebi que eu estava completamente enganado! Os meus heróis, aqueles cabeludos insanos, com ares pagãos, bárbaros e diabólicos eram, na verdade, grandes apreciadores, estudiosos, das literaturas, das culturas, filosofias e história da humanidade. E muitas de suas obras foram compostas inspiradas em criações e informações literárias. Então, não existe uma classe de pessoas que possa estar em desconexão com a literatura, que não pelo motivo de falta de acesso e privação do contato com ela…
6. Você tem outros projetos literários para o futuro? Se sim, já pode adiantar alguma novidade?
G.M.: Eu já estou escrevendo um novo livro. O que posso adiantar é que será um romance (repleto de poemas e baladas, é claro), ambientado em um mundo fictício, onde seres humanos estarão em contato, por vezes, com entes fantásticos, e muitos conflitos da trama darão ao leitor uma experiência dramática.
Sobre o autor: Gustavo Malagigi é gaúcho de São Francisco de Paula (RS), onde vive e trabalha em seus projetos literários. Por dez anos foi vocalista da banda de rock Tocata y Fuga e, durante esse período, foi germinando textos e poemas. Em meio à pandemia, organizou uma coleção de seus escritos, que resultou no seu primeiro livro A Casa Cósmica – publicação que rendeu o ingresso do autor na Academia Serrana de Letras. O livro também está disponível para os leitores em Portugal e à disposição nas bibliotecas das universidades de Vigo e da Corunha, na Espanha.
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