Na contramão da exaustão digital e das leituras fragmentadas das redes sociais, autores contemporâneos têm apostado na crônica como forma de reconectar o público com a sensibilidade do cotidiano. O riso combinado à crítica social sutil é capaz de atravessar gerações. É nessa travessia entre o riso e o fim dos tempos que o escritor e jornalista Ricardo Salim constrói Eu e Eles Antes do Apocalipse, obra que reúne histórias pessoais e fictícias.
Ao criar personagens excêntricos e recontar cenas cotidianas com sagacidade, Salim reflete sobre a urgência de encontrar sentido, humor e humanidade — antes que seja tarde demais.
Na entrevista abaixo, o autor fala sobre a dualidade entre o íntimo e o apocalíptico e o papel do bom humor na literatura.
1 – No livro de crônicas “Eu e Eles Antes do Apocalipse”, você adota dois caminhos: questões e vivências pessoais com as quais o leitor pode se identificar, e o mundo ao redor – em que você se afasta do universo pessoal. Por que decidiu mesclar essas duas atmosferas na escrita?
Ricardo Salim: Li e leio muitas crônicas. Encontrei autores exercitando a escrita nestas duas formas, às vezes escrevendo em primeira pessoa, às vezes escrevendo em terceira pessoa, criando personagens para suas histórias. Um grande desafio foi dar nome a estes personagens, encaixá-los nas histórias sem que ficassem pejorativos. Exatamente para evitar que ocorra qualquer tipo de bullying por causa do nome ou sobrenome escolhido.
2 – O livro lida com temas profundos como identidade e autodescoberta. Como essas questões se conectam com a ideia de “apocalipse” presente no título?
R.S.: “Seu” Cordeiro, personagem da crônica “Antes do Apocalipse” viveu boa parte de sua vida com medo do fim do mundo. O que o leitor vai encontrar no livro são vivências e experiências comuns, do nosso dia-a-dia, porém sob um olhar diferente, às vezes divertido, às vezes reflexivo.
3 – Na narrativa há o encontro entre o individual e o coletivo; entre o íntimo e o apocalíptico. De que maneira essas dualidades podem retratar a sociedade contemporânea?
R.S.: As pessoas nos tempos atuais buscam informações rápidas, consomem tudo que é mais fácil de “digerir”. Por isso optei por escrever crônicas, que são rápidas de serem lidas. Faz parte da cultura entre os mais jovens buscar por experiências instantâneas. Neste contexto, acredito que consiga atingir estes jovens com leituras lépidas. O principal objetivo é que estes jovens iniciem o processo de leitura com crônicas leves, politicamente corretas, socialmente corretas, ortograficamente corretas e literariamente corretas. É o primeiro passo para que possam encarar livros de contos, romances, ficções etc.
Por outro lado, os jovens há mais tempo também podem se deliciar com as crônicas. Então posso dizer que escrever o livro “Eu e Eles antes do Apocalipse” foi um enorme desafio, pela amplitude que busquei alcançando os jovens que estão iniciando na leitura e aqueles que já leem há mais tempo.
4 – A partir de uma linguagem bem-humorada você traz um olhar apurado para os aspectos mais comuns do cotidiano. Na sua opinião, qual é a importância de abordar o lado inesperado e divertido da vida por meio de crônicas?
R.S.: Acredito que o bom humor seja fundamental nos dias de hoje, em que as pessoas estão sempre preocupadas com o relógio, com o tempo, com o dinheiro, o trabalho etc. É preciso ter um momento de paz, tranquilidade e uma boa leitura. Por isso já estou trabalhando no próximo livro de crônicas, seguindo o mesmo estilo e padrão. O título provisório é “Eu, Eles e os Olhos Brilhantes”. No mesmo formato, algumas crônicas em primeira pessoa, outras com os personagens e, por fim, os Olhos Brilhantes.
5 – Se o mundo estivesse realmente à beira de um apocalipse, que mensagem você deixaria aos leitores?
R.S.: Primeiro eu gostaria de valorizar nosso meio ambiente. Independente de estarmos próximos ou não do fim dos tempos, é preciso que todos os moradores do planeta tenham consciência de sua preservação. As ações do próprio homem podem levar o mundo ao apocalipse. Então a mensagem aos leitores é um pedido de preservação do meio ambiente, e também o desejo de que todos possam aproveitar suas vidas da melhor forma possível, sempre guardando um tempo para a boa leitura. E quando estiverem cansados busquem uma dose de bom humor nas crônicas. Busquem também uma dose de amor nas poesias e busquem viajar nos pensamentos com boas leituras. A vida é um conjunto de momentos, a torcida é para que tenhamos mais bons momentos.
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Sobre o autor: Ricardo Salim é escritor e ativista cultural. É membro e orador oficial da Academia Barbacenense de Letras, além de coordenador do Núcleo de Literatura da Fundação Porphyria e José Máximo de Magalhães. Criador do portal de notícias Barbacena Online, no qual escreve sobre histórias da cidade, ele também fundou a Editora BOL com objetivo de incentivar a produção literária da região. Além do trabalho na área artística, é professor licenciado do curso de Direito do Centro de Estudos Aprendiz, servidor público do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e atual presidente da Academia Barbacenense de Ciências Jurídicas.