Algumas experiências são tão difíceis de serem enfrentadas que muitas pessoas preferem fingir que nunca as vivenciaram. Por vezes, emoções complexas não são compartilhadas nem com os amigos mais próximos, porque somente o ato de explicar-se já demanda uma carga grande demais. Mas nem todos os silêncios são tristes, já que eles também servem como um espaço livre para a reflexão. Desses vazios existentes em cada ser humano, a escritora semifinalista do Prêmio Oceanos, Luiza Fariello, criou para eles um som que ecoa no livro Hoje, Deserto.
Os 16 contos da obra publicada pela editora Patuá evidenciam as bagagens emocionais e os sentimentos conflitantes de gente comum, que carrega dentro de si o peso inerente de existir. Com um olhar voltado para a mulher, a maternidade e a família, a autora explora violências, abusos e lutas do cotidiano em um compromisso de tornar visível aquilo que se esconde por trás da idealização de uma vida perfeita.
As personagens são complexas e lidam com medos, inseguranças e frustrações. Entre as narrativas, uma mulher cresce tentando se tornar uma boneca Barbie a qualquer custo; uma menina vítima de violência sexual esconde o que aconteceu dos pais; uma mãe tenta se reinserir no mercado de trabalho, mas o leite teima em sair de seus seios enquanto participa de uma dinâmica de RH; e uma atendente precisa fingir que não vê a violência no relacionamento de um casal de clientes.
Isabela se despede, agradece a oportunidade, olhos cheios. Pois é, não posso
mais ficar, é que meu filho, sinto muito, vocês têm meu telefone, estou à
disposição. Agarra o celular inútil dentro da bolsa, tenta em vão ligá–lo, Laís
não consegue conter um sorriso. Pega atrapalhada a chave do carro, agradece
mais uma vez sem se voltar, ninguém mais a ouve, já estão envolvidos na
próxima atividade, dá a partida, sente o leite ou as lágrimas a molhar a barriga,
certo alívio percorre todo o seu corpo, aumenta o volume, você precisa saber
da piscina, da margarina, da Carolina, da gasolina.
Hoje Deserto, p. 109
Além dos temas evocados, a autora faz experimentos linguísticos no livro. Os contos “Dentro” e “Fora”, assim como “Perto” e “Longe”, tratam da mesma história sob pontos de vista diferentes, o de uma criança e o de um adulto. Em cada um dos textos, novos elementos complexificam a trama e convidam o leitor a tirar as próprias conclusões acerca da narrativa.
Com enredos ambientados em Brasília e em outras cidades sem nome, a ideia de “deserto” é pensada para mostrar os silêncios que todos experienciam na vida. “Essa paisagem é mais interna do que externa: creio que o grande tema que perpassa os contos seja o vazio, nem sempre triste, e a solidão, por vezes necessária, que carregamos. Cabe ao leitor percorrer esse deserto e encontrar ali um espaço só seu”, explica Luiza Fariello.
FICHA TÉCNICA
Título: Hoje, Deserto
Autora: Luiza Fariello
Editora: Patuá
ISBN: 9786558649410
Páginas: 115
Preço: R$ 50
Onde comprar: Editora Patuá
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Sobre a autora: Luiza Fariello é jornalista e professora de Língua Portuguesa da rede pública do Distrito Federal. Formada em Jornalismo (PUC-SP) e em Letras (UNIP-SP), com mestrado em Literatura (UNB), ela deixou a capital paulista por Brasília há 15 anos e hoje trabalha com o sonho de formar mais leitores no país. É autora do livro de contos “Essa palavra eu não falo”, semifinalista do Prêmio Oceanos (2022) e finalista do Prêmio Candango de Literatura (2022). Hoje, Deserto é a segunda publicação de sua carreira como escritora.
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