Meu filho tinha oito anos de idade quando veio me perguntar: “papai, por que os americanos dizem que só eles vivem na América?”. Ele havia visto um vídeo no Youtube que trazia uma conversa entre um menino brasileiro e sua contraparte estadunidense. Respondi rapidamente: “porque eles não estudam geografia direito, não sabem que o nome correto é América do Norte”. Naquele dia, essa resposta contentou meu filho, mas não a mim. Pensei no imenso número de crianças que devem ter feito essa mesma pergunta, e em todos os pais que não souberam o que responder.
Dependendo do que foi respondido, podemos validar uma determinada forma de se ver o mundo. O mundo através dos olhos dos outros. O mundo que ganhou nome pela boca dos outros. Explico: uma coisa existe antes mesmo de ter um nome para ela, claro, seria muita arrogância do primeiro homem na Terra dizer que inventou a flor, quando apenas foi capaz de balbuciar o termo “flor”. Precisamos de nomes pra nos comunicar, e eles surgem ao redor dos nossos próprios umbigos. Iremos organizar nossa linguagem de acordo com os nossos interesses.
O continente Americano já existia antes das caravelas, e as nações Maia, Asteca, Cherokee, Tupi já tinham linguagem e ciência extremamente desenvolvidas se comparadas aos portugueses com escorbuto (deficiência em vitamina C que leva a hemorragias e que era curada por poções dos xamãs, feita de casca de pinheiro-bravo, hoje chamado pela indústria farmacêutica de “picnogenol”). Alguns pais, hoje, reclamam do fato de nossas crianças não serem mais perguntadas por “quem descobriu o Brasil?”, e é importante estarmos atentos ao fato de que a educação caminha para uma nova visão de mundo.
Meu filho, outra feita, me disse que “o Brasil não foi descoberto, pai. Foram os portugueses que chegaram nele. O nome, antes, era Pindorama”. Fiquei surpreso e curioso. Nunca tinha ouvido falar em Pindorama, a não ser em uma música do grupo infantil “Palavra Cantada”. A verdade é que as novas gerações estão se guiando para um mundo menos eurocêntrico, menos colonialista. Afinal, as américas jamais foram um “Novo Mundo”, pois esta ideia só surgiu sob os olhos de quem vivia no “Velho Mundo”.
Daí a questão dos nomes, daí a questão desses nomes trazerem pontos de vista que são, na verdade, insidiosos e escondem estruturas culturais que querem nos colocar como inferiores ou superiores. Algo, em menor escala, como os apelidos que os valentões colocam nos alunos mais tímidos: ignorar seu nome de batismo e determinar que todos o chamem, a partir de um momento, pelo apelido, é uma forma de dominar e submeter.
*Leonardo de Moraes é mestre em Direito do
Estado, professor de Direitos Humanos e autor do
romance Tia Beth, sobre as dores da violência no Brasil